segunda-feira, 12 de março de 2012

B Bar (intro # 8)

Nada foi partido, mas abriu-se uma brecha; apesar de imperceptível, a fenda estava lá, permanentemente. Um choque mais violento e teríamos de apanhar os cacos do chão, cortando-nos ainda mais.

Se há noite deixava-o enlaçar-me pela cintura e pôr uma perna sobre as coxas, como fazia desde a primeira noite, lembrava-me de que me dissera há muito tempo, "Se um homem foge de ti durante o sono, podes crer que mais depressa fugirá quando estiver acordado." Sentia-lhe o bafo na nuca e dispunha-me a adormecer com o sorriso mais simpático que conseguia pôr no rosto. Nem me atrevia a mexer um único músculo que fosse.

No entanto, quando chegava um novo dia e ia para o trabalho, raramente pensava no Armindo. Se me telefonasse, nunca atendia à primeira vez; aliás, só o fazia para que os meus colegas deixassem de me olhar de soslaio. Durante a pausa do almoço e depois de sair do escritório, ia para uma esplanada e tirava um livro da pasta, voltando a ser o António de sempre: livre e despreocupado. Não chegava a ler: o livro era apenas o artificio para observar discretamente quem me olhasse. Via um homem sozinho olhar-me e imaginava-nos personagens de episódios escabrosos. Nunca me passava pela cabeça ir para a cama com esses homens, bastava-me a fantasia e saber que poderia acontecer.

Em casa, porém, continuava a pedir a Armindo que me ajudasse a lavar a loiça depois do jantar, a ver televisão na sua companhia e a fazer amor quando acordávamos a meio da noite. Fazíamos amor como dois náufragos, agarrando-nos um ao outro em desespero, mas ele ignorava que eu não era uma tábua de salvação. Certa noite tive a sensação de ouvi-lo dizer dentro de um sonho que eu já não gostava dele. Amava-o, é certo, mas desejava magoá-lo; não suportava a ideia de que o seu amor fosse maior do que o meu.

Foi então que surgiu o quarto sócio de Armindo. Um espanhol que estava constantemente em trânsito entre Sevilha e Lisboa. Um homem de rosto duro que me despiu na primeira vez que pôs os olhos de torcinário em cima de mim. Soube imediatamente que a fantasia deixara de me satisfazer. Vi-o e soube que não era homem para respeitar as amizades.

Sempre que ele vinha a Lisboa e Armindo estava no B., ele vinha ter comigo. Abandonava-me aos seus caprichos e deixava-o fazer-me coisas que nunca permitira a Armindo. Na madrugada em que me ligaram da esquadra pedindo-me para que fosse reconhecer o corpo de Armindo, Pablo acabara de me fazer explodir num riso transbordante.


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