quinta-feira, 8 de março de 2012

B Bar (intro # 7)

Pedaços monstruosos de algodão enodoado preguiçavam pelo céu, ameaçando alijar a pesada carga a qualquer momento; uma brisa morna e salgada empurrara para longe a aragem setentrional que se fizera sentir durante quase toda a semana  e passara a acariciar o vidro das janelas, numa súplica insistente para entrar. Estávamos sentados, ambos com roupões axadrezados e chinelos felpudos, entretidos com a edição daquele domingo de um diário - o Armindo lia o jornal e eu a revista, mais tarde trocaríamos -, entrelaçando os dedos das mãos livres.

Conhecia este silêncio. Vi os meus pais repeti-lo vezes sem conta. Nessa época, não compreendendo como um casal que se amara ao ponto de desejar casar e de ter filhos juntos podia não ter assunto para conversar, jurei a mim mesmo que nunca deixaria o emudecimento tomar conta de uma relação. Mas depois, ao replicar o comportamento que tanto me exasperou durante toda a adolescência, desejava aquela tranquilidade, entendendo que os casais não precisam de grandes discursos nem de grandes momentos, pois a felicidade doméstica também se encontra no aborrecimento.

Ele chegou ao fim do jornal antes de eu acabar a leitura de um último artigo que me despertara a atenção e enquanto esperava que lhe passasse a revista, o meu telemóvel tocou, fazendo com que Armindo arqueasse uma sobrancelha.

«Olá mãe», disse e, sem me dar conta, tirei a aliança. O arame plastificado que ele atou em redor do meu anular havia sido substituído há um ano. Na ourivesaria de uma amiga de Armindo, encontrámos uns anéis de prata e cautchú e comprámos dois iguais.

«Não digas nada», disse para Armindo, depois de tapar o telemóvel com a palma da mão. Só me apercebi do tom ríspido e autoritário ao vê-lo revirar os olhos e levantar-se do sofá, resmungando entredentes.

«Como é que vão as coisas por aí?»

«Oh, tudo bem! O teu pai continua o mesmo chato de sempre. Mas já não há remédio. Também, isso agora pouco interessa. Liguei-te, não para falar sobre mim, mas para saber coisas de ti, meu filho. Tenho tantas saudades tuas.»

«Também eu... também eu tenho saudades vossas...»

«Vê-se... Nem no natal tivemos a honra de que vossa excelência se dignasse a vir ver os seus pais....»

«Oh mãe! Não comece. Nem sabe como vão as coisas no trabalho.»

«Ouve, talvez pudéssemos ir aí um dia destes.»

«Havemos de ver isso... havemos de ver, mãe.»

A última coisa que desejava ter, naquele momento, era a minha mãe na cidade. Roguei todas as pragas e mais algumas ao Armindo, por lhe ter cedido e mudado-me para o seu apartamento, pondo o meu à venda.

«Eu e o teu pai estávamos a pensar ir a Lisboa no próximo fim de semana. O que me dizes?»

«Mãe, vou ver, vou ver, e depois logo telefono a dizer alguma coisa. Mas não comece já a fazer planos, que já sei como você é.»

Depois da minha mãe desligar, o Armindo voltou à sala e começámos logo a discutir.

«Armindo, ouve, os meus pais querem cá vir na próxima semana...»

«Ah, finalmente vou conhecer os escultores dessa obra-prima»

«Mas, ouve, eu preferia que não estivesses cá.»

«Ora essa! Como é que é?!»

«Não sejas assim. Não quero dar um desgosto aos meus pais, sobretudo ao meu pai.»

«Tens vergonha de mim.»

«Sabes bem que não é disso que se trata.»

«Os teus pais gostam de ti e acho que acabariam por compreender.»

«Os meus pais não são nada como os teus. Eles pararam no tempo.»

«Tu não tens vergonha de mim. Agora percebo. Tens vergonha de ti.»

Eu não queria ouvir aquilo. Não queria ter aquela discussão. Fui para o quarto, sempre com o Armindo no meu encalço. Despi o roupão e vesti as calças e uma camisa, as primeiras peças de roupa que encontrei. Já estava junto à porta, quando vi que ainda trazia os chinelos calçados. Fui à casa-de-banho e calcei uns ténis.

«Mas onde é que tu vais?»

...

«Não sejas criança!»

...

«António!»

Saí para a rua, batendo com a porta. Andei às voltas. Não sabia para onde ir, apenas sabia para onde não queria regressar. Andei até que começou a chover, primeiro um chuvisco quase imperceptível e depois, sem avisar, umas bátegas gordas e geladas. Procurei abrigo num centro comercial, que me apareceu ao virar da esquina, diligentemente. O cabelo estava empapado e colado ao crânio, a camisa estava completamente ensopada. Dirigi-me à casa-de-banho, que estava deserta, despi a camisa e torci-a, formando-se uma poça de água aos meus pés. Depois, meti a cabeça debaixo do secador de mãos. Voltei a vestir a camisa, que continuava molhada mas já não pingava, e fui para um dos urinóis. Quando urinava tentando acertar nas bolas de naftalina com o jacto fumegante, um rapaz entrou na casa-de-banho. Olhei na sua direcção  e ele ficou imobilizado, hesitando. Acabou por se dirigir para os urinóis, deixando um de intervalo entre nós. Continuámos a olhar um para o outro pelo rabo do olho. A excitação secara-lhe a bexiga. Dei um passo para trás e sacudi o caralho. Ele olhou-o e engoliu em seco. Fechou a braguilha e, quando pensava que o tinha assustado, vi-o encaminhar-se, não para a saída, mas para um dos cubículos, deixando a porta aberta. Fui atrás dele, com o caralho semi-túrgido nos dedos, encontrando-o sentado na sanita e com as calças descidas até aos tornozelos. fechei a porta ao trinco e pus-me diante dele, com o caralho ao alcance da sua boca. Para minha impaciência, demorou demasiado tempo a atenção em redor da glande. Eu não estava para meiguices. Agarrei-o pela nuca, e empurrei-lhe a cabeça até sentir o nariz esborrachar-se contra a maciez do púbis, mantendo-o assim até lhe sentir o vómito subir pelo esófago. Recuei as ancas mas sem tirar o caralho, apenas o suficiente para recobrar o fôlego, voltando logo a massacrar-lhe as goelas com estocadas rápidas e profundas. O rapaz debateu-se, empurrando-me as pernas com as mãos. Agarrei-lhe as mãos e levantei-lhe os braços, prendendo-o pelos pulsos. Quando o empurrei para trás, ouvi a cabeça bater com violência nos azulejos. As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, mas deixara de se debater. Martelei-lhe a boca sem me preocupar que me mordesse. Que mordesse!

«Mas você é maluco!?», gritou-me enquanto cuspia uma mistura de sémen, saliva e um liquido escuro, talvez café.

Não lhe disse nada. fechei a braguilha e virei-lhe costas. Antes de abandonar a casa-de-banho, respirei fundo.

Continuava a chover. Lisboa escurecia sem alegria. No passeio, junto a uma das  portas do centro comercial, levantei o braço. Um táxi chiou ao parar no asfalto molhado. Entrei para o banco de trás e disse-lhe para seguir para o Largo de São Mamede. Havia decidido regressar. Teria de encarar o Armindo de qualquer forma. Era em sua casa que estavam as minhas coisas todas. Iria pôr-me nas suas mãos e ele que decidisse. O taxista tentou fazer contacto visual através do espelho retrovisor, mas desviei o olhar para a janela, observando a rua brilhante, a água suja escura escorrendo pelas sarjetas abaixo. Ensaiava o que dizer a Armindo.

Mas todo o discurso que trazia preparado desvaneceu-se no momento em que ele me apareceu à frente. Fui ao seu encontro, ele abriu os braços e recebeu-me no seu peito.

«Desculpa-me. Não sei o que me deu. Hei-de apresentar-te aos meus pais, claro que vou. Não quero continuar a viver como antes.»

«Se gostasses de mim uma ínfima parte do que gosto de ti...» disse ele, deixando o resto da frase morrer na garganta, enquanto os seus lábios quentes me tocavam a pele da testa. Senti cada um dos pêlos da sua barba.

Na véspera da visita dos meus pais, arranjou uma desculpa e ausentou-se de casa, regressando já perto da meia-noite, quando os meus pais se tinham ido embora há muito.







2 comentários:

  1. Infelizmente, eu sei o que é viver uma situação semelhante...

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  2. Felizmente , não sei o que é passar por este tipo de experiência

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