sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

B Bar (intro)

Vou voltar ao B, após uma ausência de um ano, ainda que este regresso possa ser uma vez sem seguimento. O Alberto, um dos quatro sócios originais do B Bar, veio cá a casa, depois de me ver recusar-lhe as chamadas telefónicas, e pediu-me, se não por mim, pelo menos pelo Armindo, para participar na homenagem, que vai ser feita no B, em memória daquele que foi o meu último companheiro, cujo primeiro aniversario do seu passamento será assinalado com a pequena cerimónia.

«Ele não gostaria de te ver assim», dizia o Alberto, perante a reiteração da minha recusa. «Tenho a certeza de que ele também consideraria que a tua rotina casa-trabalho-casa não é vida. O Armindo gostava de te ver entrar no B. Não te lembras de como ele não hesitava em mostrar a todos, sobretudo àqueles que mesmo sabendo que vocês estavam juntos nunca descansavam de lhe dar em cima, que tu, e unicamente tu, eras o seu homem, sempre que ias ao B ter com ele?»

Mal me via entrar no bar, o Armindo saía do balcão, muitas vezes deixando o cliente à espera, abraçava-me e beijava-me, ostensivamente. A demonstração pública do seu afecto, ainda que em terreno amigável e por mais frequente que fosse, deixava-me sempre constrangido, fazendo o sangue afluir-me, rapida e copiosamente, ao rosto. Não era preciso um espelho para me certificar de que estaria a corar: o súbito calor emanado das orelhas era prova bastante.

Na véspera da sua morte, a última vez em que estivemos juntos no B, tornou a estreitar-me nos braços depois de me beijar e, rindo, segredou-me: «Se não paras de corar, não respondo por mim e violo-te aqui mesmo, à frente de todos.» Ameaçou-me, mordiscando-me o lóbulo já afogueado. 

«Sempre desconfiei de que serias um exibicionista», disse-lhe, tentando fugir do abraço.

«Aí é que te enganas, meu caro», acrescentou logo de seguida, «esse teu rubor, que não sou capaz de apagar por mais que me esforce, e bem sabes o quão esforçado posso ser, é que me dá a volta ao miolo e incendeia-me a braguilha.» E dizendo isto, puxou-me de volta para junto de si e, fazendo-me encostar as nádegas à braguilha, senti-lhe uma já expectável erecção.»

Já não estávamos na fase de enamoramento.  Começáramos a namorar seis anos antes e vivíamos juntos há dois. A convivência diária trouxe alguns atritos, os atritos normais de uma relação, e que mais vulgares são quando os pólos da relação são dois homens, porque, por mais que se queira negar a prevalência da natureza  no ser humano, não deixam de ser dois galos dentro da mesma capoeira. Mas a sua morte fez com que só me lembrasse dos nossos momentos mais harmoniosos; ou, melhor dizendo, a sua morte fez com que precise de me dispor a escarafunchar a memória para recordar as nossas escaramuças domésticas.

«Vai, mas é, arranjar-me um Joaquim António», disse-lhe eu, para me ver livre do seu abraço.

«Ah, já não te chega um Armindo?  Precisas também de um Joaquim António, ou será um Joaquim e um António?»

«Tontinho!» disse-lhe, quando ele voltava já ao balcão.

Joaquim António foi a forma usada para lhe pedir um Gin Tónico, na primeira vez que entrei no B, ainda o bar não estava aberto há mais de dois dias.