segunda-feira, 26 de março de 2012

B Bar (intro # 10)

Assim que entro no B., a primeira pessoa que encontro é o Rafael. Está à porta, como um sorridente relações públicas. «Já estávamos a ver que não virias.» E não sabe ele o quão perto esteve tal de acontecer. Cheguei a desligar o telemóvel, a por o telefone e o interfone fora dos descansos, e a sentar-me no sofá com a sala completamente às escuras, para o caso de me aparecerem diante do prédio.Mas acabei por me decidir a sair de casa e a percorrer a curta distância até ao bar, tendo-me arrependido no momento em que, ao começar a descer a paralela à Rua da Escola Politécnica, vejo o  pequeno ajuntamento diante do B. O alberto mentiu-me. A memória do meu último companheiro não ia ser assinalada de forma discreta, que foi o argumento usado para me convencer. Não queria que começassem a falar-me sobre o Armindo e a maravilhosa história de amor que protagonizámos. Porém, era tarde para retroceder; havia sido visto e reconhecido. Quando me aproximo da porta e furo a pequena multidão ali concentrada, olham-me, sorriem, mas limitam-se a dizer-me: «Sê bem-vindo de novo.»

Se o primeiro aniversário do passamento de Armindo em tão violentas circunstâncias é o pretexto para a "reunião", há um acordo, que desconfio não ter sido preciso verbalizar, para que se falasse nele o menos possível. Chego a pensar que fosse por minha causa - No dia do funeral fui tomado por um desespero profundo que durou quase uma semana e de onde só saí porque o Alberto pegou em mim e levou-me a uma consulta de psiquiatria. - No entanto, acabo por me aperceber de que não é disso que se trata. Esta noite serve, sim, para colocar o "Armindo" numa prateleira, possivelmente a mais inalcançável. 

O Alberto está atrás do balcão, função que cabia quase sempre a Armindo, sorri e encolhe os ombros na minha direcção Vira-me as costas e tira uma garrafa da prateleira com o fundo espelhado, onde me vejo aproximar. Quando cheguei junto ao balcão, tinha já um gin tónico à minha espera. «Ainda bem que vieste... temos uma coisa para te dizer. Até o Pablo veio de propósito de Sevilha. Telefonou-me há pouco, quando vinha a sair do hotel.» Ia para lhe ralhar por me ter mentido; mas, em vez disso, pego no copo que empurrara  na minha direcção, dou o primeiro trago de gin.e fico a olhar para ele com um sorriso parvo até que alguém me abraça, segredando-me: «Culito bueno!» Não preciso olhar para trás nem para o espelho que serve de fundo à prateleira das garrafas, reconheço a voz de Pablo de imediato. A última vez que o vi foi no cemitério, onde se manteve sempre afastado de mim. Olha-me e espera pela minha reacção. Abraço-o e digo-lhe que tive saudades. 

O B. enche de repente e Alberto não tem mãos a medir. Cruzamos os olhares e, sem me dizer nada, passo para o outro lado do balcão e começo a atender os clientes, percebendo que era aquilo que me queriam pedir. O Alberto, o Rafael e o Pablo param o que estão a fazer e olham para mim, sorrindo uns para os outros.

E eu ocupo o lugar de Armindo.


FIM do Capítulo I do B Bar e início de uma longa ausência, para revê-lo, livrar-me de algumas elipses e tornar o estilo uno.

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