sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

B bar (intro #5)

«Porque é que decidiste trazer-me contigo para casa?»

Mais de metade da tarde de domingo já tinha passado e, depois de se ter enganado a fome com umas tostas e uns restos de caril que o Armindo tirou do frigorifico, estavamos de volta à cama. A rua estava em silêncio, nem parecia ser Lisboa lá fora.

«Porque quiseste vir.»

Mas o que se passava comigo? Depois de nos termos engatado daquela forma tão despudorada e do espanto com que me apercebi de que estavamos à vontade um com o outro desde o primeiro momento, a minha insegurança não devia estar a falar por mim. Ele não estava a falar a sério - senti isso quando lhe fitei, de baixo para cima, o rosto e vi-lhe os olhos sorridentes.


Ainda era cedo quando entrei no B, nem seria meia-noite. Vi-o do outro lado do balcão, tirando copos de um tabuleiro. Olhei para as costas dele e para os ombros, e para a linha recta perfeita na nuca que o barbeiro lhe fizera ao cortar o cabelo, e ao mesmo tempo perguntava-me se seria o homem de quem o Rafel me falara.

Atravessei o bar e, enquanto o fazia, notei que arfava um pouco. Estava a fazer algo que não era hábito. Nunca antes fora sozinho a um bar. Sinto-me sempre desconfortável sobre escrutínio alheio e, nos bares gays, tirando os mais jovens e os mais velhos, ninguém conversa, limitam-se a tirar as medidas uns aos outros.

«É um Joaquim António, por favor!»

Ele virou-se e lançou-me um olhar entre o surpreendido e o confundido,

«Desculpa?...»

«Um gin tónico!»

«Ah! Joaquim Antónios. Não temos, acabaram de se acabar. Agora só Armindos.»

Era ele, não me enganara. O Rafael descrevera-o muito bem.

«Se conseguir espremer um Armindo para dentro de um copo, bebo-o.»

«Um copo...? já espremi o Armindo para muitos sítios, agora, um copo... há sempre uma primeira vez.»

O meu coração batia com força. A minha ousadia não iria mais longe; aliás, estava espantado comigo, porque não era de fazer aquele tipo de conversa com desconhecidos.

«É a primeira vez que cá vens, não é?»

«É. Foi o Rafael que me falou deste bar.»

«Ah! o Rafael... então, deves ser o António... Já ouvi falar de ti.»

Pôs o copo de gin diante de mim, mas hesitei em agarrá-lo. As mãos tremiam. Pensava nas razões que levam um ser humano a reagir daquela forma diante de alguém que acaba de conhecer.

Um grupo ruidoso acabava de entrar e Armindo, fazendo uma careta na sua direcção, foi atendê-los. De vez em quando, os seus olhos vagabundevam até encontrarem os meus e, então, sorria.

Ia para acender um ciugarro quando alguém me bateu no ombro e, sem uma palavra, apontou para o distico alertando ser lugar de não fumadores, sorrindo e encolhendo os ombros. Dirigi-me para a porta e vi, pelo canto do olho, os lábios de Armindo formarem uma palavra que não chegou a se ouvir: MERDA.

«Ah, afinal estás aí» Ouvi Armindo, que acabara de parar na soleira da porta, «pensei que já tivesses ido embora»

«Já? Não. Ainda é muito cedo.»

«Dás-me uma passa?»

Ia a tirar o maço do bolso das calças, para lhe dar um cigarro, mas ele interrompeu-me, dizendo que não tinha tempo para estar ali a fumar um cigarro inteiro.

Passei-lho para os dedos. Eram esguios e compridos, com as falanges peludas.

«Se querias trocar saliva, há outras maneiras mais cómodas para fazê-lo.», disse-lhe, depois de mo devolver.

«Como? Assim?

E aproximou o rosto do meu.

«Ah, então, já estão assim?! Quero ser o padrinho, hein!»

Era o Rafael, que escolheu o momento mais inoportuno para aparecer.

Armando voltou a entrar. Mas, quando nem tinha dado dois passos nã direcção do balcão , voltou a espreitar pela ombreuira da porta.

«Nem te atrevas a ir embora sem te despedires de mim.»

É claro que nem cheguei a ir embora.




2 comentários:

  1. Eu chamo a isto algo diferente de engate, embora na prática o seja realmente...

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  2. isso é pq tens em memória os paráqgrafos anteriores...

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