segunda-feira, 5 de setembro de 2011

uma história naturalista

O que vou contar aconteceu há dias, quando esperava o regresso do meu pai do mercado municipal, onde tem uma banca de venda de hortofrutícolas.

Entretido a preparar a cunha em bisel no garfo de cerejeira para depois acoplar no cavalo de gingeira, não vi Artur entrar no quintal. Só reparei que não estava sozinho ao preparar-me para abrir a fenda na estaca envasada.

Artur, com o habitual boné sobre a calva, estava em cima da bicicleta, com um pé no chão e o outro no pedal. A mão direita coçava a perna, junto á virilha, arrepanhando o tecido dos calções. "Estás muito trabalhador, nem parece teu, Manel!"

Apeou-se e encostou a bicicleta na esquina da mesa onde me encontrava a fazer o trabalho de enxertia, à sombra do velho damasqueiro.

Tirei o canivete da fenda e, empunhando-o,virei-me para Artur.

- O teu pai está?

O cão, um perdigueiro de nariz rachado, veio do fundo da quinta e farejou os sapatos de Artur, para, depois de dar duas voltas, deitar-se ao sol.

- Não, mas não deve tardar. É alguma coisa que possa resolver.

- Talvez... A minha mãe precisa de batatas.

- E queres das quais.

- Pois, isso é que já não sei. Ela não me disse. Podes mostrar...?

- Temos que ir até ao armazém.

Contornámos o poço e o tanque de rega. O armazém fica ao fundo da quinta, afastado das casas.

- Estas são as de pele branca e estas as de pele encarnada. Uma é boa para cozer e a outra é melhor para fritar.

- Pois não sei. Também não sou capaz de levar uma saca na bicicleta . - Disse, sentando-se em cima das sacas empilhadas, esfregando ostensivamente a perna,

- O meu pai não deve tardar. Volta cá depois do almoço. Escolhes e ele leva lá a casa, na camioneta.

- É capaz de ser melhor - Continuou, esfregando ainda a perna, onde se notava uma óbvia erecção.

- Eu olhava para ele, sem saber onde por os olhos.

- Sim, também acho que é melhor.

- Tu ainda trabalhas na biblioetca? - Perguntou então, mudando o rumo da conversa, como se as batatas tivessem sido apenas um pretexto.

Estranhei aquela pergunta. Era de conhecimento público que o meu contrato acabara há mais de um ano, não tendo sido renovado.

- Não...

- Trabalham lá umas gajas muito boas.

Encolhi os ombros e sorri, como se dissesse que tal era óbvio.

A directora da biblioteca é lésbica e seria de estranhar que recrutasse funcionárias feias.

- Não achas?

- É óbvio, com aquela directora, outra coisa não seria de esperar.

- Ou tu gostas mais de gajos?

Devo ter arregalado os olhos e corado. Não, sei que corei. As orelhas ferviam.

- Mas que raio de pergunta é essa?

- É o que dizem...

- Ah, é? E quem é que o diz?

- Opá, eu não acho mal nenhum...

- Um gajo é paneleiro só porque continua solteiro depois dos 35, ou por  não andar por aí a dizer que comeu esta e aquela?

- Se há fufas, também é natural haver gajos que gostem de gajos.

- Que caralho!

Não percebia onde queria ele chegar com aquela conversa.

- Por acaso tu és casado? - Continuei, não acreditando que estava a usar aquele argumento.

- Eu tanto gosto de cona como de cu.

- Que porra, hein! E que tenho eu a ver com isso?

Transtornado pela confissão de Artur, tentava perceber a sua intenção. Pensei que queria levar-me a confessar a minha preferência sexual, não sabendo com que fim.

Artur não se aguentava muito tempo no mesmo emprego, andava constantemente bêbado e, quando tal acontecia, rara era a vez que não se metia em zaragatas. A mãe ameaçava-o pô-lo fora de casa. Talvez precisasse de dinheiro e quisesse ouvir-me dizer que eu era homossexual para depois me chantagear.

Nervoso, ri-me e virei-lhe costas, pondo-me a caminho do quintal.

- Manel, anda cá, pá. Não podes ir assim. Estamos aqui sozinhos. Deixa lá, só a cabecinha.

É raro aquele que suporta a concretização dos sonhos, e eu já havia sonhado com Artur. Filho de um primo da minha mãe e de uma angolana que conhecera durante a Guerra do Ultramar e que depois trouxera consigo, Artur transformou-se num homem atraente, com musculos longos envolvidos por uma pele morena, como se andasse bronzeado todo o ano. Tinha ainda olhos verdes e o cabelo, apesar de já ir rareando, louro.

- Eu, hein.

- Bem, é melhor voltar cá quando o teu pai estiver chegado.

- Sim, é melhor - Disse, empunhando o canivete, para me preparar com prosseguir a enxertia.
- Ainda levo uma facada - Disse por fim, tentando fazer uma piada.

Artur foi-se embora. As pernas doíam-me. Passeei pelo quintal, suspirei. Apoei as palmas das mãos e, fechando os olhos, respirei fundo. Tentei abstrair-me da erecção que mantive durante aquela conversa que me pareceu saída de um filme.

1 comentário:

  1. Ás vezes é preciso algum controlo, o que nem sempre é fácil, como neste caso.

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