domingo, 15 de maio de 2011

Misoginia ou outra coisa qualquer

Se há um momento exacto para isto ter começado, e se nos quisermos manter ao nível da psicologia veiculada pelas revistas femininas, então tenho de dizer que foi aos nove anos. Estava no quarto a tentar adormecer, o que não era tarefa fácil nem para a criança sempre a correr que eu era e de quem se esperava uma breve queda no sono: as molas do colchão de meus pais chiavavam, agressivamente; mas, ao contrário do esperado quando aquele ruído acabasse, não ouvi depois os habituais risinhos, sussurros nem muito menos os passos de pés descalços na direcção da casa de banho, o que sempre me dizia que o silêncio não tardaria a ser devolvido à casa: fui antes surpreendido pelos gritos de minha mãe. As tripas enovelaram-se-me e, assustado,  vi-me, sem saber como, no quarto diante do meu.  Ela ainda estava em cima do meu pai que, embora se lhe assemelhasse em tudo, já não era um homem e mais parecia um boneco de cera. Foi nesse momento que tudo começou. Pode escrever o que lhe digo. Foi a partir dessa visão que comecei a odiar a minha mãe. Afianço-lhe. Era uma criança, é certo, um ser ainda em formação, mas tive a plena consciência de que a odiava e de que não havia volta a dar. E enquanto o tempo foi passando, a minha faculdade de odiar foi amontoando até transbordar. Ela havia cometido aquele que por ventura é o único crime perfeito, mors in coitem. Não tivesse posto termo à própria vida (não, não a matei), talvez o meu ódio tivesse ficado circunscrito e não odiasse, hoje, todas as mulheres. Todas, sem excepção. Claro que não me tornei num inadaptado; aprendi a ser educado, simpático e até cortês com as mulheres, mas o mesmo não é dizer que o forte asco causado pela presença feminina em meu redor tivesse diminuído para patamares toleráveis ou desaparecido. É por isso que só me dou bem com outros homens. Tivesse eu o dom da omnipotência, instituiria uma federação mundial só de homens, uma falocracia; as mulheres seriam condenadas às câmaras de gás e aquele que tivesse o maior caralho seria o mais poderoso.

Não, não olhe para mim assim. Como é que consegui a faca que tenho na mão, e que uso pretendo dar-lhe? Ora, doutora, considero-a apenas nojenta e não estúpida. As nossas prisões são uns verdadeiros jardins de delícias, não só porque não há cadeias mistas, mas porque tudo ali se arranja, desde que se tenha dinheiro. Diz-me que vou agravar a minha pena, nunca sairei daqui? Mas eu não quero ser libertado. Se lhe cortar a garganta será menos uma que anda por aí a puxar-me o vómito para a boca. E depois, sabe, até melhor do que eu, que só ficarei curado no dia em que as mulheres desaparecerem do cimo da terra. Agora esteja quieta. É um segundinho apenas. Não leu o meu processo? Trabalhei num matadouro. Uma picadazinha no peito e já está. Rápido e limpo.

Foto: Nuno Lopes

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